quinta-feira, 23 de abril de 2020

Perda...


- É para jogar no euromilhões e um Chesterfield.
- Boa sorte!
- Espero, encontrar a sorte aqui de férias no Algarve comigo.
Um sorriso de esperança espontânea aflorou aos lábios, com o feliz pensamento, enquanto de cabeça baixa desenrolava o plástico do maço de cigarros num gesto automático de tao repetido.
Empurrei a barreira para entrar na zona comercial. A abstracção dos gestos e do pensamento fez me  bater com a barreira na pessoa da frente, que de imediato se virou em busca do agressor passivo.
O espontâneo e solto “desculpe” emudeceu na garganta, estrangulado pelo assombro.
Era a ultima pessoa que esperava encontrar ali. 20 anos depois. Como era fácil e magico ver o menino irmão das vivências do lar, por debaixo deste corpo de homem. 20 anos depois. O desenrolar do passado exibe se numa velocidade de pancada na cabeça. Pela hesitação do estender da mão, percebo que a perturbação do momento é partilhada. Num impulso, as mãos esticam se e unem se num reatar do tempo perdido.
A força do aperto, o calor da afeição e o tao desejado abraço, escorreram as angustiosas e já nublosas divergências.
Ancorados pelas mãos nos ombros, o sorriso rasgou se, a lagrima correu e a palavra soltou se.
Tanto para perguntar, tanto para saber, que as palavras e as vozes se atropelavam, na sôfrega ânsia.
Por entre os olhos húmidos percebo que o seu sorriso afrouxa, e o menino magoado do passado retorna. Viro a cabeça para perceber o que ele olha.
Sim. A luz das lâmpadas salientam o brilho loiro da sua longa cabeleira que encima um sensual e torneado corpo de mulher. Continua linda.  A minha mulher. No que apareceu uma eternidade ficamos os três parados e mudos, até que ele se foi.
Agora como há 20 anos.

Sem comentários:

Enviar um comentário